Sintonizar o Passado Com o Futuro

Em 2024, celebram-se os 50 anos da nossa Revolução. Há 50 anos que Portugal acordou com Zeca Afonso e com os militares de armas carregadas de cravos vermelhos, disparando gritos de liberdade. Por muito que tente, não consigo sentir um terço do que foi vivido nesse dia. O passado dia 10 de março foi mais um marco da nossa conquista pela liberdade. Votou-se livremente em quem se acredita ser a melhor solução para governar o nosso país e, consequentemente, os nossos destinos neste jardim à beira mar plantado.

Todos assistimos à indignação de uns, perante o contentamento de outros. Portugal votou e é preciso aceitar isso. A conquista pela liberdade, traz na bagagem esse dever de respeitar qualquer opinião, mesmo que essa liberdade ponha em causa tudo aquilo por que se lutou em abril de 74. Após as últimas eleições notou-se uma certa crepitação entre os “Filhos da Revolução” e os jovens de hoje. Se, por um lado, enaltece-se a resposta dos jovens ao apelo ao voto, por outro, notou-se uma certa indignação e tristeza por parte dos mais velhos, na decisão do seu voto.

Os “Filhos da Revolução” ou “Filhos de Abril”, que viveram ou nasceram após esse momento histórico do País, trazem consigo as memórias vivas do tempo da precariedade e da submissão, sentindo a responsabilidade de que essas memórias não caiam no esquecimento. Acontecimentos atuais por algumas partes da Europa, mostram isso mesmo: a memória pode ter o seu próprio tempo.

Quando me apresentei ao mundo, o 25 de Abril já tinha 10 anos de história. Embora não tenha vivido nesse tempo, absorvi e escutei todas as histórias contadas por familiares e amigos, que são testemunhas vivas dessa época. E nestas vozes que narram o passado, por vezes tão longínquo e estranho, está presente a dor de lembranças antigas. Por outro lado, percebo o distanciamento emocional que os jovens possam ter dessa data. “Pimenta nos outros é refresco” e percebo que seja difícil sentir no corpo o que os outros sofreram. Hoje, os “Filhos de Abril” tornaram-se pais e muitos deles avós. E ser um deles não é fácil, pois enfrentam o desafio de harmonizar o dever de transmissão dos seus conhecimentos e valores, com a capacidade de escutar e absorver as experiências e os sonhos das novas gerações.

Os jovens de hoje, podem não compreender as conquistas e as liberdades alcançadas com o 25 de Abril. Os jovens podem não saber esse sentido de liberdade, porque ser livre, atualmente, é diferente, na medida em que os contextos sociais e históricos são, felizmente, outros.

Pedir aos avós e pais que sejam jovens no pensamento e aos jovens que cuidem das memórias que não são suas, pode assumir-se como um pedido desafiador e poderá parecer contranatura. Mesmo assim, acredito que será a melhor forma de encontrar o momento de encontros e laços em que todos percebam que o 25 de Abril de 1974 nunca poderá ser esquecido e que ele será sempre o ponto de partida para lutas futuras.

Para entender o futuro, é preciso conhecer o passado. Para ensinar o passado, é urgente escutar os medos do presente.

 

Paulo Khan