Aveiro era o local escolhido para passarmos o natal, pois era lá que viviam os meus avós paternos e os únicos com espaço suficiente para receber toda a família. Hoje, recordo-os com tanta saudade que quando fecho os olhos, consigo sentir o cheiro do bacalhau, do pinheiro natural e das rabanadas a perfumar toda a casa.
Sempre os considerei os melhores natais, sem nunca pensar verdadeiramente na razão para tal. Tendo eu tão pouca idade, poderia basear a preferência com base na quantidade enorme de presentes que recebia. Ser o mais novo (naquela altura), tinha as suas vantagens e receber presentes de todos os elementos da família, era uma delas.
Eram tempos de grande amor, ternura, cumplicidade e de muita liberdade. Vivendo numa zona rural de Aveiro, tinha a permissão de me encontrar com os restantes amigos do “Largo S. João” para mostrar os presentes recebidos e acabar a noite com um passeio de bicicleta por Aradas. Éramos crianças entre os 8 e os 12 anos a passear pelas ruas desertas pela noite dentro. Haverá mais liberdade do que isto?
Não sei se alguma vez tive este pensamento enquanto pedalava ao som de sorrisos inocentes e guiados por lampiões de luz opaca, mas gosto de pensar que foram natais mágicos e que era feliz na minha plenitude.
Foram anos especiais que me fazem acreditar, ainda hoje, na magia do natal. Continuo a ser uma “criança” de 39 anos que acredita no poder natalício, embora com algumas relutâncias.
Com o passar da idade fui-me tornando um refém do mundo moderno e sinto que adulterei a minha definição de natal. Na esperança de a fazer perdurar com o mesmo sentimento de quando era criança, acreditei na ideia de que a árvore deveria estar assente num campo fértil de presentes.
Nunca fui muito exuberante nos pedidos e, no entanto, eles foram sempre correspondidos. Ao tentar encontrar um final para este texto, percebo que sempre tive natais felizes. Mas, desde o falecimento da minha mãe, tenho de confessar que só quatro me ficam na memória. Três por perda e um, maravilhosamente, datado pelo nascimento da minha filha.
Todos eles têm um denominador comum, a pessoa. Percebo que a magia do natal está dependente, não do embrulho, mas do abraço ou da palavra dados e/ou recebidos. No natal, as palavras tornam-se soberanas, podendo e devendo contribuir para a felicidade coletiva.
Não vamos ser hipócritas e dizer que não gostamos de receber um presente. Mas acredito que isso não deverá estar no topo da lista para manter o encanto da época.
Este ano não sei o que o Pai Natal tem reservado para mim no sapatinho, mas alguns dias atrás consegui materializar as palavras que representam o espírito natalício. Com elas consegui reencontrar um abraço que me estava em falta, para continuar o meu caminho sem mágoas e com a consciência em paz.
Partilhar as palavras que representam o verdadeiro espírito desta época seria extraordinário e tornar esta vontade um pilar ao longo de toda a vida, seria a perfeita revolução natalícia.
Este natal ficará, sem dúvida, na minha memória.