Sei que não te escrevo há muito tempo e não é por falta de crença. Se há magia no mundo, essa acontece no Natal quando tu apareces para satisfazer os pedidos de miúdos e graúdos. Não te tenho escrito pois tive a sorte de ter encontrado um bom emprego, que me permite realizar o meu sonho de dar estabilidade e segurança a mim e aos meus.
Escrever-te com pedidos fúteis, seria de uma arrogância imensurável.
Hoje escrevo-te, não em meu nome, mas em nome do Cristiano. O “Cris” veio de uma família pobre, mas com determinação conseguiu reverter essa situação. Tornou-se pai de família e o seu pilar. Trabalha todos os dias, passando grande parte do seu tempo a viajar. Mas faz com brio pois sempre gostou do que fazia e sabia que isso era uma consequência para assegurar o bem-estar dos seus filhos e mulher. Ele acredita na partilha, solidariedade e fraternidade.
Durante anos, foi considerado um dos melhores trabalhadores da sua área. Por muitos dos seus colegas, ele é o melhor dos melhores de todos os tempos e isso deixava-o motivado e vaidoso, não podemos esconder.
Havia quem o adorasse e quem o odiasse, mas todos eram consensuais no seu valor enquanto trabalhador.
Ultimamente, o Cris andava a sentir-se triste, traído pela “velhice” que assombra a todos e pela ingratidão de quem já não o vê como um dos melhores.
Hoje, escrevo-te em nome do Cris, pois mesmo com toda a tecnologia da internet e redes sociais, sinto que poucos as tenham usado para ver o drama por que ele passa.
Hoje, escrevo-te em nome do Cris, pois ele não tem como o fazer na sua cama de hospital, em coma, depois de uma tentativa de suicídio. O covid roubou o trabalho à Raquel (sua mulher), tornando-o no único sustento da casa. Embora tenha sido um exemplo como trabalhador, recebe os mesmos 920 euros desde o primeiro dia que assinou contrato (que, na altura, era um excelente salário). Hoje, com esse dinheiro tem que pagar os 650 euros de renda, pagar as compras do mês que neste momento só contempla os bens essenciais e conseguir dar o mínimo de condições para que os seus 3 filhos continuem a não perceber as dificuldades que passam. O Cris é um pai que se mantém como um farol para os seus filhos.
Escrevo-te em nome do Cris e de todas as pessoas que são engolidas pela preocupação tonta sobre quanto ganhará por segundo um futebolista profissional e quem será o próximo campeão do mundo.
Todos que se reveem no Cris não pedem por demonstrações de força e de gratidão pelo que fizeram, mas sim por uma oportunidade de poder viver dignamente neste mundo de discrepância e desigualdades.
A ti, Pai Natal, este ano, peço-te um momento da tua escuta, da tua atenção.
Paulo Khan